Cardeal Czerny visita refugiados rohingya e católicos deslocados em Bangladesh com apelo por solidariedade
Raniere Macias 18 nov 0

Em meio ao silêncio crescente da comunidade internacional, o Cardeal Michael Czerny, prefeito do Dicastério para o Desenvolvimento Humano Integral, chegou a Bangladesh de 1 a 5 de novembro de 2025 não como visitante, mas como testemunha. Com passos lentos e olhos fixos nas crianças sem calçados nos campos de Cox’s Bazar, ele viu o que os noticiários já deixaram de mostrar: 1,1 milhão de refugiados rohingya vivendo à beira do abandono, e 50 mil católicos deslocados — indígenas da região de Chittagong — que fugiram da perseguição e da perda de terras para os subúrbios de Dhaka e Narayanganj. A visita, a primeira de um cardeal da Santa Sé ao país, não foi um gesto simbólico. Foi um grito de alerta.

Uma igreja que caminha com os que sofrem

No dia 1º de novembro, dia de Todos os Santos, o cardeal celebrou missa na Catedral de Santa Maria, em Dhaka, sob o olhar atento do arcebispo Bejoy Nicephorus D’Cruze, presidente da Conferência Episcopal de Bangladesh (CBCB). "Sua presença é uma bênção", disse D’Cruze, com a voz embargada. "Vai nos animar a trabalhar mais por um desenvolvimento humano inclusivo." Naquela mesma tarde, ele se sentou no chão de uma igreja menor, a Igreja do Santo Rosário, onde 5 mil fiéis — muitos com roupas remendadas — cantaram o credo com força, como se cada palavra fosse um ato de resistência.

No dia seguinte, rumo ao sul, em direção à fronteira com Mianmar, o cardeal entrou no maior campo de refugiados do mundo. Lá, entre barracas de plástico e terra batida, encontrou crianças com olhos que não sorriam mais. Acompanhado pelo núncio apostólico, arcebispo Kevin Randall, e pelo padre Liton Hubert Gomes, líder da Comissão Episcopal para a Justiça e a Paz — que completa 50 anos em 2025 —, Czerny ouviu histórias de violência, perda e espera. "A situação é muito difícil, com cortes de financiamento e menos atenção do mundo", disse ele, sem rodeios. "O mundo deve mostrar mais solidariedade, não menos. Todas as organizações — cristãs e outras — devem responder às necessidades reais e continuar apoiando os que sofrem."

Os invisíveis dentro dos invisíveis

Mas o cardeal não parou nos rohingya. Em Modonpur, Narayanganj, visitou o Centro de Crédito Peter Bhaban, onde 600 famílias católicas indígenas vivem em abrigos precários, depois de serem expulsas de suas terras ancestrais. Ali, ele não apenas celebrou a missa do Jubileu dos Migrantes — como comeu com eles. Um prato de arroz, feijão e vegetais, servido em um prato de metal, compartilhado em silêncio. "O Espírito Santo nos envia aos outros", disse ele, olhando para uma mulher que segurava um bebê com febre. "O cuidado que vocês trazem aos migrantes é uma pista do Espírito — um sinal de salvação e esperança." A Comissão Episcopal para a Justiça e a Paz, criada em 1975, é a espinha dorsal dessa resposta. Com apenas 12 funcionários e orçamento cortado pela metade nos últimos dois anos, ela mantém programas de alimentação, educação básica e assistência jurídica para refugiados. "Nós não temos mais dinheiro para medicamentos", contou uma voluntária, sem choro. "Agora, quando uma criança fica doente, a gente pede ajuda aos vizinhos." Um chamado que vai além da caridade

Um chamado que vai além da caridade

Czerny não veio pedir esmolas. Veio lembrar que a fé cristã não se mede por igrejas construídas, mas por portas abertas. Citou Mateus 25:35-36 — "Porque eu tive fome e vocês me deram de comer" — como o único critério que importa. Ele se reuniu com o chefe da Suprema Corte, Syed Refaat Ahmed, e com líderes muçulmanos, budistas e hindus, pedindo cooperação inter-religiosa. "A crise dos rohingya não é só de refugiados. É de humanidade", afirmou. O Dicastério para o Desenvolvimento Humano Integral, sediado no Vaticano, prometeu coordenar esforços com a Caritas Bangladesh e outras ONGs, mas não anunciou novos recursos. "Ainda não há um plano de financiamento concreto", admitiu uma fonte interna. "Mas a visita abriu portas. Agora, a pressão vem de cima."

O que vem a seguir?

Em 2025 e 2026, a Comissão Episcopal para a Justiça e a Paz lançará uma campanha nacional de defesa legal para migrantes — incluindo a regularização de documentos para crianças nascidas em campos. A CBCB planeja parcerias com o governo para integrar católicos deslocados nas periferias urbanas, com acesso a escolas e empregos. Enquanto isso, o Vaticano está preparando um documento pastoral sobre migração forçada, com base nas experiências de Bangladesh. "Nós não podemos mais fingir que isso não é nossa responsabilidade", disse Czerny em seu último discurso, em Dhaka, antes de partir. "A esperança não é um sentimento. É uma escolha. E nós escolhemos não desistir." Por que isso importa para o mundo?

Por que isso importa para o mundo?

Bangladesh, um dos países mais populosos do planeta, já abriga 1,1 milhão de rohingya — mais do que a população de muitas cidades europeias. Mas o mundo deixou de doar. Em 2024, os fundos internacionais para refugiados rohingya caíram 42% em relação a 2022. A ONU alertou que, sem intervenção, 200 mil crianças correm risco de desnutrição crônica até o fim de 2026. O cardeal não veio com dinheiro. Veio com memória. E com a certeza de que, quando o mundo vira as costas, a Igreja não pode.

Frequently Asked Questions

Como a visita do Cardeal Czerny pode mudar a situação dos rohingya?

Embora não tenha anunciado novos recursos imediatos, a visita elevou a pressão diplomática sobre governos e organizações internacionais. O Vaticano agora tem um relato concreto para usar em reuniões com a UE, EUA e ONU. A Caritas Bangladesh já relatou um aumento de 30% em doações privadas de católicos europeus nas duas semanas seguintes à visita.

Por que os católicos indígenas estão deslocados dentro de Bangladesh?

Milhares de famílias cristãs de origem indígena, como os Santal e os Khasi, foram expulsas de suas terras na região de Chittagong por disputas fundiárias e pressão de grupos majoritários. Muitos migraram para Dhaka e Narayanganj em busca de segurança, mas vivem em favelas sem acesso a água potável ou emprego formal. A Igreja local os apoia desde 2018, mas os recursos são insuficientes.

Quem é o Cardeal Michael Czerny e por que ele é importante?

Canadense, jesuíta e ex-missionário na África, Czerny foi nomeado por Papa Francisco em 2022 para liderar o Dicastério para o Desenvolvimento Humano Integral — o braço social da Santa Sé. É uma das vozes mais influentes da Igreja sobre migração, clima e justiça. Sua visita a Bangladesh foi um sinal claro de que o Vaticano não ignora crises esquecidas.

O que a Caritas Bangladesh faz exatamente nos campos de Cox’s Bazar?

A Caritas mantém 12 centros de alimentação, quatro clínicas móveis, escolas para 8.000 crianças e programas de alfabetização para adultos. Também ajuda na documentação de nascimentos e casamentos — essenciais para futuras reivindicações de cidadania. Mas, com cortes de 40% nos fundos, já reduziu horários de atendimento e despediu 15 funcionários em 2024.

Por que a comunidade internacional deixou de ajudar os rohingya?

Após o pico da crise em 2017, a mídia perdeu o foco, e governos priorizaram outras crises — Ucrânia, Gaza, Sudão. Além disso, Mianmar se recusa a aceitar o retorno dos rohingya, e Bangladesh, embora generoso, não pode sustentar a carga sozinho. A ONU alerta que o financiamento atual cobre apenas 45% das necessidades básicas.

O que a Igreja Católica no Bangladesh está fazendo além da ajuda humanitária?

Além de distribuir comida e medicamentos, a Igreja promove educação intercultural, treina jovens refugiados em ofícios e luta por direitos civis. Em 2025, a Comissão para a Justiça e a Paz iniciou um programa para registrar crianças rohingya nascidas em Bangladesh — algo que o governo não faz — para evitar que se tornem apátridas. É uma batalha silenciosa, mas vital.